Ensaio- As caixas da vida
- marinaguerra3000
- 9 de ago. de 2017
- 4 min de leitura
Ensaio - As caixas da vida
Acordei e me vi em meio a uma escuridão. O ar abafado, uma imensidão escura, eu e meu corpo. Eu estava sozinha e de uma forma que jamais fiquei, e olha que nunca fui aquela pessoa que está sempre acompanhada, rodeada de amigos, ou com aquele alguém especial ao lado. Talvez seja por isso que sempre pensei demais, eu não tinha o que fazer para “não pensar em nada”.
A caixa da vida é e sempre foi apertada demais para mim. Imagino que reinventar, talvez seja minha melhor qualidade, pena que nem todos pensam assim. Sair da caixa que me encontro aprisionada, desbravar o mundo afora... Aaah! Que sonho!! Por isso decidi mudar.

Mudei meus pensamentos, minhas atitudes, meu jeito de vestir, o modo de conversar com as pessoas, minha alimentação, até a forma como penteava meus cabelos. Tudo precisava ser diferente. Afinal, era como todo mundo dizia: - “Saia da caixa, Ana!” e eu saí...
Na verdade eu queria que isso fosse o que realmente tivesse acontecido. O que houve de fato é que precisei fazer isso pelo menos umas dez vezes para descobrir que é impossível. À medida que o meu modo de viver, agir e vestir ia mudando, o meu modo de pensar continuava o mesmo. Eu sabia que precisava mudar, mas não do jeito que tudo estava acontecendo.
Com o passar do tempo, comecei a perceber que por mais que tentasse sair da tal caixa, eu me inseria em outra ao mesmo passo. O fato era que eu caminhava de uma caixa para outra e nunca me libertava. Não era mais a caixa, e sim, as caixas. Uma conspiração? O que estava acontecendo? Fui me libertar de uma e descobri que existem inúmeras. Então, o lance não é de fato sair e sim mudar constantemente? A fim de que?
O pior é que eu não me sentia bem em nenhuma das outras caixas, eu queria a minha. Então comecei a voltar uma por uma. Muitas pessoas diziam que eu estava regredindo, mas eu persisti. Quando finalmente cheguei a minha tão adorada caixa, vi que ela estava ocupada. Era o fim. Minha única saída era mudar os componentes da caixa que eu estava, e isso que me fazia ser diferente.
A partir desse momento eu me encontrei. Enquanto todos mudavam de caixa para tentar se encontrar e completar, eu buscava por elementos que me complementariam. Não importava qual era a caixa que eu estava, e sim aquilo que eu escolhi pra estar dentro dela, gostava de acreditar que eu era a única que sabia disso.
Mudar os elementos da caixa me fez mais paciente, mais aberta para outras ideias, fez com que eu me encontrasse. Não existe a ideia de que cada caixa tem seus elementos e o fato de você estar dentro dela significa que você não possa sair, como eu achava. E, sim, que existem várias caixas com vários elementos que você pode pegar emprestado pra colocar na sua. A caixa possibilita que você guarde suas coisas, mas não adianta você guardar o que não te faz mais feliz.
As pessoas mudam conforme o tempo passa, e você não pode julgá-las por decidirem mudar. O pior seria continuar o mesmo e não se sentir assim. Ninguém estava errado em dizer que eu precisava mudar, só que quem deveria ser a primeira a saber disso era eu. Eu deveria mudar por não me sentir confortável com quem eu estava sendo, e não porque todo mundo estava me dizendo isso.
Não há como “sair da caixa”, porque se você não estiver dentro de nenhuma, todos os seus elementos irão se perder. Estar dentro da caixa é uma questão de sobrevivência, se você não possuir essência, como irá se autoconhecer? Não é necessário se encaixotar em diversas ideias para se sentir inserido em alguma, só é preciso criar as suas e seguir em frente. Buscar por elementos que complementam ou contradigam suas ideias, assim tudo fará mais sentido para você, e é só isso que todos devem se importar: se sentir confortável e bem com todos os elementos que te cercam.
Hoje eu desafio a todos que me falaram para “sair da caixinha” a escolher qualquer uma e mudar apenas seus elementos. Vamos ver quantos elementos você consegue guardar na sua caixa, e não em quantas caixas você consegue entrar.
E depois de toda essa história contada, eu ainda estou aqui presa na imensidão escura da vida, presa naquela grande caixa, ou melhor, acho que não é esse o nome, mas o que importa é que nessa caixa eu não preciso decidir quais elementos vão ficar e quais irão, já que ela consegue guardar todos os elementos da minha vida, todos os que foram bons e depois tive que desfazer, todos os ruins que por conta deles acabei por crescer, tudo. A grande caixa não precisa de mim para mudar seu conteúdo, eles mudam sozinhos. De carne e osso nós viramos pó, que evapora quando um fino feixe de luz invade o mar de escuridão nesse baita caixão.
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